Andréa del Fuego, la ganadora del Premio José Saramago

Andréa del Fuego tiene 36 años. Y es la flamante vencedora del Premio Literário José Saramago, por su novela "Os Malaquias". El libro fue publicado en 2010. Cuenta la historia de tres hermanos que quedan huérfanos cuando sus padres mueren a causa de sufrir un rayo en carne propia. Además de la editora Guilhermina Gomes, que presidió el jurado, el resto se constituyó por la escritora Nélida Piñon, la poetisa Ana Paula Tavares, la presidente de la Fundación José Saramago, Pilar del Rio, y el escritor Vasco Graça Moura.

Nelida Piñon destacó el "inusitado vigor" de la narrativa de Andréa del Fuego y consideró su talento "tallado" para el Premio Saramago. "Os Malaquias' dan a conocer en un intrincado juego que el texto controla e rehace. El resultado es misterioso y absolutamente fascinante", comentó la poetisa angoleña Ana Paula Tavares.
Andréa del Fuego es autora de la trilogía de cuentos "Minto enquanto posso" (2004), "Nego tudo" (2005) e "Engano seu" (2007). Participó también de las antologías "Os cem menores contos brasileiros do século" e "30 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira", entre otras. Publicó también Blade Runner, en 2007, medianta la editorial  Mojo Books.


Texto de la escritora sobre su novela premiada, en portugués:

Um passado de cujo presente eu faço parte
Os Malaquias é meu primeiro romance. Ele não surgiu de uma passagem natural do conto ao romance ou de um compromisso literário, um desafio de linguagem como me propus com os livros anteriores. O livro surgiu no seio familiar, uma cobrança interna de outra comarca, a da herança. 
Comecei a escrever Os Malaquias logo depois que minha avó morreu, no inverno de 2003. Meses depois, fui a Minas Gerais, onde ela vivia, enfrentar a ausência da grande mãe. Numa tarde, percorri com minhas tias a região de Serra Morena, um vale deslumbrante que fica atrás do bairro Buracão, onde minha avó criou os filhos. Voltei certa de que escreveria um romance chamado Serra Morena. O nome ficou na cabeça por bom tempo até que eu tomasse fôlego. 
A história se iniciaria no acidente natural que vitimou meus bisavós, deixando orfãos os filhos, entre eles, meu avô. Ninguém da família comentava o caso e, numa tentativa de saber mais, meu avô ficou fragilizado e desisti de especulá-lo, era uma memória a que eu não teria acesso. Cada vez que escrevia uma página era tomada por uma eletricidade, inventar um passado de cujo presente faço parte. Da cena real, a tempestade, eu inventaria o segredo dos sobreviventes. Um estado de ficção, onde se suspende a lógica da morte, por exemplo. Passaria uma mão de tinta em fatos, escreveria uma teoria provisória. 
A pretensão poética e o realismo fantástico, presentes no texto, foram amortecedores emocionais, já que eu estava me olhando no espelho, ocasião em que damos o melhor ângulo. Aos poucos, fui percebendo o que valia a pena e o que servia apenas como andaime para a construção do edifício. A questão, claro, era diferenciar o andaime da parede. Assim que terminei o primeiro tratamento, enlouqueci de emoção, realizada por ter escrito tantas páginas, por chamar aquelas folhas de romance. Não durou muito, fiquei insegura, qualquer peteleco me abalaria. Era um erro achar que a primeira versão seria a definitiva. 
Abandonei o Serra Morena e fui escrever alguns livros de contos e juvenis. Todos encontraram um caminho, o que me deu uma certeza: cada livro tem seu limite, seus problemas e sua estrada, feito uma pessoa que acaba de chegar ao mundo. Abri a gaveta num verão de 2007 para reler o Serra Morena, já distante emocionalmente da realidade familiar e mais próxima de um compromisso literário. Armada com facão, cortei o matagal, tudo o que camuflava a força da trama. Com a distância, pude perceber que havia sim um romance debaixo daquela montanha de metáforas. Aliás, não consigo me livrar delas nem nesse texto objetivo. Mas para cortar sem dó, negociei, já que a ficção fantástica inundaria de vez o livro, eu manteria os nomes reais. Nico, Júlia e Antônio são os nomes do meu avô e tios-avós. Assim que fiz uma boa reforma no texto, meu tio-avô Antônio faleceu, justamente a presença mais delicada no livro. 
Toda aquela distância diminuiu em segundos, fiquei novamente diante de um texto tão próximo que meu julgamento ficou abalado e acrítico. Não era só isso, Nico e Júlia são vivos. Júlia, como no livro, teve que voltar à Serra Morena e morar com o irmão. Soube que minha tia caçula leu trechos para o meu avô, ele ouviu em silêncio. Outra tia leu o original em algumas horas, foi seu primeiro livro aos 40 anos, talvez o último, ela não tem o hábito da leitura. O livro deixou-me em dia com a cobrança de fertilidade, de uma pegada no mundo que ligasse meu passo ao deles. Essa sanfona emocional, claro, não me parece o melhor estado na produção de um romance, produto digno de uma disciplina racional, de um cálculo estético, ou seja, de controle. Tive outra experiência similar, escrevi um infantil baseado numa vivência em um sítio, em Ilhabela, e igualmente mantive os nomes reais dos personagens, mas essa é outra história, o sangue não está envolvido, ainda que o real traga algo palpável como a gratidão e a amizade. 
Daqui por diante, pretendo sair cada vez mais do real, sem que eu me perca e o leitor perceba. Quando Os Malaquias chegou na editora Língua Geral, ainda não estava em seu ponto maduro, o editor, na época o Eduardo Coelho, disse que o Serra Morena tinha qualidades, mas podia melhorar. Eduardo sugeriu cortes precisos, a cada corte, mais evidente ficava a forma. Primeira mudança foi no título, depois ele enviou para alguns leitores e fizemos inúmeras revisões e versões. Em agosto de 2010, Os Malaquias foi lançado. Com muita alegria, venho recebendo resenhas positivas sobre um trabalho que, no meu universo portátil, é um inventário privado.

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