Bioy Casares, champagne y cucarachas


Bioy Casares treme e caminha devagar, caminha devagar e treme. Adolfo Bioy Casares utiliza uma bengala negra que bem poderia ser um apoio, mas prefere sustentar-se também numa enfermeira. A bengala é negra e delicada, como algum dos ânimos que passeiam seus personagens mais conseguidos. Sua bengala deveria enfeitar-se com nácar, mas talvez o detalhe seja uma estúpida ferramenta de crítica e análise literária.

Bioy Casares é o escritor argentino mais respeitado entre a raça de escritores pátrios. Bioy está vivo, rasgo que por tratar-se da Argentina, potência e hierarquiza a asseveração. Não titubeiam em suas palavras e arma frases curtas e contundentes, orações que parecem traduzidas do imaginário poético de Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa.

A enfermeira de Bioy Casares é uma mulher feia e velha, velha mais do que feia. Leva uns óculos que estiveram de moda em Paris na década do cinqüenta. A pele da enfermeira é de uma enferma clareza. Assusta, impressiona, convoca o atendimento. E, por suposto, confunde as apreciações.

Adolfo Bioy Casares toma localização na mesa e o resplendor do meio dia alumia seu rosto. As pecas jogam em sua calvície como as ilhas ao redor do Tigre. E é por causa da luz do sol que seus olhos são mais claros e celestes que nas fotografias em alvo e negro. Bioy Casares faz trazer champanha antes de ordenar seu pedido. E o moço duvida. Não sabe se servir-lhe a ele ou a sua enfermeira. Então Bioy lhe faz uma reverência à enfermeira e a enfermeira levanta seus olhos em procura do moço, e diz:

- Na mesa do senhor Adolfo só importa a presença feminina.

E o moço entende o gesto e em menos de médio minuto conhece os modais do escritor em magnitude assombrosa: não é necessário que ele, um habitante suburbano vindo desde Tucumán, comece sua instrução com “A invenção de Morel”.

Suflê de aspargos, como entrada, e um austero bife de lombo, bem suculento, para o senhor Adolfo. Adolfo Bioy Casares é um ser humano: alimenta-se pela boca, mastiga, morde, engule; maneja os talheres com sutileza, faz pausas para falar, leva o guardanapo a seus lábios antes de cruzar-se com a copa de champanha. Adolfo BioyCasares nunca poderia ser convidado ao programa de Mirtha Legrand: sua presença seria um fracasso em termos televisivos: jamais poderia falar frente a tantas câmaras, luzes e microfones.

A única cena que faltou na película “A idade da inocência” é a de alguém, como Bioy Casares, por exemplo, esfolando uma pêra à hora das sobremesas. A distinção do almoço: a pêra, a sensualidade nas formas brutas da pêra. Resume a velada, frente ao cemitério, nos arredores de Plaza França. E aí justo se cai a bengala de Bioy Casares e é aí quando tentativa recolhê-lo e me agacho e vejo uma barata e aí mesmo me arrependo. Fico como mal educado, simples e grosseiro.

- A irreverência é uma graça da inteligência - sustenta.

Enquanto a enfermeira se agacha, o sorriso de Adolfo Bioy Casares me assusta tanto como as baratas de Recoleta.

Comentarios

Lo más visto en la semana

Twitter