O mito da democracia racial no Brasil
O mito da democracia racial no Brasil foi tema de encontro entre artistas e intelectuais do Brasil, África do Sul e EUA. No último dia do workshop Summer Conversations aconteceu em espaço expositivo do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil com painel aberto ao público e exibição de obras do Acervo Videobrasil.
Em debate realizado no sábado (25/1), aniversário de São Paulo, a Associação Cultural Videobrasil em parceria com o Sesc São Paulo e o Goethe Institut apresentou o Painel Público da primeira edição realizada em São Paulo do workshop “Summer Conversations”, uma prévia do Johannesburg Workshop in Theory and Criticism, think tank sul-africano que trata de problemas globais considerando a posição dos países do Sul, realizado em parceria com a Universidade de Witwatersrand (África do Sul), Universidade Johns Hopkins (EUA) e o Instituto de Pesquisa em Humanidades da Universidade da Califórnia. Em São Paulo foi debatido o tema Arquivos sobre o Não-Racialismo.
Partindo de duas premissas principais – “É possível vislumbrar uma sociedade em que a raça não seja um fator predominante?” e “Que desafios enfrentamos para que cheguemos a essa visão e como ela seria?” – a discussão foi realizada a partir de dois dias de debates e reuniões na sede do Goethe Institut que contou com a participação de artistas e intelectuais do Brasil, África do Sul e Estados Unidos.
O debate, realizado no Galpão do Sesc Pompeia, onde acontece a exposição 30 Anos, do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, contou com a participação do cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo; a historiadora da USP Marina de Souza e Mello; o diretor do Humanities Research Institute da Universidade da California (UCLA), David Goldberg; a pesquisadora da Universidade de Witwatersrand, da África do Sul, Danai Mupotsa, e a professora assistente da UCLA, Nádia Fadil. O debate teve mediação da antropóloga da Universidade de Witwatersrand, Kelly Gillespie.
Diretor dos filmes Raça, Negação do Brasil e O Negro na TV Pública Brasileira, Joel Zito afirmou que o pós-racialismo, um dos temas debatidos, surge no Brasil na década de 1930 quando as elites intelectuais do país começam a discutir a questão da raça sob esse viés, afirmando que o Brasil é uma “democracia racial”, ideia que ainda hoje marca o imaginário sobre o país. A realidade, e a prática, porém, eram outras. “A ideologia da miscigenação se contradiz com a ideia de branqueamento que norteou o Brasil desde a independência”, disse. “O discurso da miscigenação foi e é usado como uma forma de desmobilizar as necessidades históricas das populações negra e índia.”
Historiadora e especialista em história africana e afro-brasileira, Marina de Mello e Souza concorda com Joel Zito de que a questão da raça foi o meio pelo qual o Brasil se estruturou enquanto nação. “Você queria branquear a sociedade, livrá-la da herança africana”, afirmou. O objetivo era construir uma sociedade com ares europeus, o que se viu, também, na arquitetura dos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, e nos círculos artísticos e intelectuais.
Para ela, porém, a questão do pós-racialismo no Brasil, “embora a genética, a ciência mostrem que a raça é uma questão superada”, “não faz sentido” em virtude da desigualdade social do país. “No momento em que o pós-racialismo se coloca, nós nos firmamos na raça para conquistar a igualdade social. A questão da igualdade para nós passa a ser uma questão de cidadania”, disse a historiadora que, apesar de reconhecer os avanços sociais do Brasil na última década, afirmou que a desigualdade entre as raças persiste.
Sul-africana, Danai Mupotsa vai no mesmo tom que Marina. “A questão do antirracialismo implodiu. Há um retorno para a questão da raça”, disse. Para a professora Nádia Fadil, a questão da “raça é uma estrutura social organizada”, um meio pelo qual a sociedade se estrutura, constrói sua identidade étnica e diz quem faz e quem não faz parte dela, “o que é humano, o que não é humano”. “Se você pensa em Paris, você pensa na Champs Elysée e não em um lugar em que a imigração é muito forte”, afirmou.
Segundo ela, o secularismo, que tem crescido em sociedades europeias como a França e a Espanha, “é uma maneira que as sociedades têm usado para manterem-se brancas.” Isso ocorre, ela afirma, em virtude da imigração árabe para o continente. “O islamismo é a maneira pela qual o racismo é debatido na Europa”, disse.
Professor da UCLA, o americano David Goldberg afirmou que “a raça emergiu como conceito no século 19” quando a Europa começa a se proteger “daqueles que não eram considerados europeus, os negros e judeus”. Hoje, ele disse,“a questão da raça foi substituída pela questão da cor” e que, por irônico que seja, “nós não deveríamos mais falar do racialismo, mas falamos disso o tempo todo.” Isso ocorre em partes por conta do aumento da desigualdade social nos países do Norte e com relação a regiões como a África. “A diferença racial representa as diferenças no mundo. 85 pessoas têm o mesmo dinheiro que o equivalente a 3,5 bilhões de pessoas.”
Presente no evento, o ex-secretário de cultura de São Paulo, nas gestões Serra (2005-2006) e Kassab (2006-2012), Carlos Augusto Calil elogiou a iniciativa de realizar o “Summer Conversations” em São Paulo e da realização do debate e da produção intelectual no Eixo Sul sem a anuência dos Estados Unidos e da Europa. “Os sul-africanos estavam cansados dessa intermediação europeia e americana. Espero que encontrem no Brasil um ‘eco’ para a proposta”, afirma.
Sobre o debate, ele afirmou que é importante o Brasil e São Paulo olharem não apenas para a questão do negro, mas também para a do índio. “Há índios aqui mesmo em São Paulo, em Parelheiros (na Zona Sul), que vivem em uma situação terrível, de miséria”, contou.
Foram exibidos antes do debate vídeos do acervo VB que tratam da questão racial, entre eles a performance O Samba do Crioulo Doido, de Luiz de Abreu, ganhadora do Grande Prêmio da 18ª edição, e Barrueco, de Ayrson Heráclito, ganhador do prêmio de residência Sesc_Videobrasil da atual edição, por FunFun (2012). Ayrson participou também dos dois dias de workshop “Summer Conversations” em São Paulo.
Além do artista e dos debates presentes no encontro, participaram dos dois dias de workshop a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz; a pesquisadora da Associação Museu Afro Brasil Juliana Bevilacqua; o fotógrafo mineiro Eustáquio Neves; a artista Marie Ange Bordas, editora do Caderno 09 Sesc_Videobrasil Geografias em Movimento, entre outros.
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